No meio de uma política de crise profunda, o Brasil elegerá um novo presidente, novos governadores estatais e um novo Congresso em duas rodadas de votação: a primeira em 7 de outubro e a segunda em 28 de outubro. Há muito no jogo, e as informações erradas ou desinformadas têm o potencial de influenciar o processo eleitoral. Qualquer acusação de falsidade em grande escala poderia colocar em tela de justiça a legitimidade do processo, ou os resultados.

As questões relacionadas à corrupção são especialmente delicadas, tanto pela série de escândalos políticos recentes no Brasil quanto pelo potencial deste tema para atrair candidatos individuais. A análise dos 20 principais artigos sobre corrupção no Brasil publicados no Facebook e no Twitter em português durante os últimos seis meses oferece um instante do ambiente informativo atual no Brasil.

A corrupção foi o centro de análise devido à sua importância nos debates públicos. Desde 2014, o Brasil tem experimentado uma dupla crise política e econômica, ambas com a corrupção como tema central.

Entre os 20 artigos mais populares, quatro eram inexatos, um foi publicado por um site considerado parte de uma rede de desinformação e outro foi criado por um meio satírico. Entre os quatro artigos mais populares, três eram objetivamente incorretos. Neste caso concreto, a análise demonstrou que as fontes de baixa credibilidade atraem mais participação nas redes sociais do que as fontes reputadas e confiáveis.

O Gráfico que mostra que quanto mais engajamento os artigos tiveram nas mídias sociais, maior a probabilidade de serem provenientes de fontes de baixa credibilidade (Fonte: Buzzsumo).

A análise das interações nas mídias sociais geradas por cada um dos seis principais artigos não autênticos forneceu informações sobre os tipos de conteúdo criados, a motivação por trás deles e como a desinformação e a informação incorreta são disseminadas.

Não houve um padrão uniforme no tipo de conteúdo criado. O conteúdo variava de sátira a informações fabricadas. Entretanto, a maioria dos sites tratava de questões políticas, sugerindo que uma das principais motivações para o conteúdo era convencer os eleitores.

As informações circularam principalmente por meio de grupos e páginas do Facebook e foram compartilhadas por pessoas que nem sempre identificaram as informações como imprecisas. Entretanto, de acordo com o Facebook, houve um caso de uma rede organizada trabalhando para "espalhar desinformação", que removeu a página. A polarização também pôde ser observada na forma como o conteúdo foi distribuído.

Artigos mais envolventes na mídia social (Fonte: @DFRLab via Buzzsumo)

Análise dos artigos

Olho Aberto Paraná: "O Brasil pode ter uma intervenção militar para acabar com a corrupção política".

O artigo afirmava que as forças armadas brasileiras logo fariam uma intervenção no governo federal devido a alegações de corrupção. Entretanto, não houve tal intervenção e nenhum sinal de mobilização que pudesse sugerir isso. "O "Olho Aberto Paraná" não publicou nenhuma correção. Alguns dias depois, publicou um áudio, que rapidamente se espalhou nas mídias sociais, de um suposto porta-voz do exército reiterando que a intervenção era iminente. O exército refutou a veracidade desse áudio.

A motivação por trás da publicação do artigo não ficou clara. O Olho Aberto Paraná é um site local do estado do Paraná, no sul do país, onde se originou a ampla investigação de corrupção da Lava Jato. A investigação revelou um enorme esquema de suborno na gigante petrolífera brasileira Petrobras, controlada pelo Estado, e envolveu políticos e as maiores empresas privadas do Brasil. O blog publica notícias locais e apresenta anúncios tanto no site quanto nas postagens do blog. O Olho Aberto Paraná afirma ser o site mais visitado do estado, de acordo com seus próprios dados.

O artigo obteve 791.300 interações, a maioria delas no Facebook. Seu sucesso pode estar relacionado à data em que foi publicado, 24 de maio, quando estava ocorrendo uma greve de caminhoneiros no Brasil. Alguns dos participantes da greve pediram intervenção militar pelo mesmo motivo.

O Brasil, um país que foi governado pelos militares entre 1964 e 1985, está passando por um ressurgimento do sentimento pró-militar desde o início da crise econômica e política. Os sites que interagiram e disseminaram o artigo do Olho Aberto Paraná eram defensores de tais sentimentos militares e anticorrupção.

Entre as páginas e grupos que se comprometeram com o artigo estão "Por um Brasil Decente", "Soldado Brasileiro", o grupo da página "Intervenção Militar no Brasil" e o "Grupo de apoio ao juiz Sergio Moro, da operação Lava Jato". (Fonte: Crowdtangle)

Sensacionalista: "518 anos depois, o Brasil está finalmente livre da corrupção".

Este artigo foi publicado no site satírico Sensacionalista, que zomba de ambos os lados do espectro político. Inspirado no The Onion, o Sensacionalista foi criado em 2009, mas ganhou notoriedade com o início da crise no Brasil em 2014. Em 29 de agosto de 2018, a página do Sensacionalista no Facebook tinha mais de três milhões de "curtidas" e a página do site no Twitter, 1,66 milhão de seguidores. O Sensacionalista publica artigos sobre uma variedade de tópicos, não apenas sobre política. O site se descreve como não partidário e publica artigos satíricos sobre diferentes lados do espectro político.

A manchete do Sensacionalista tinha a intenção de provocar os oponentes do Partido dos Trabalhadores (PT) que afirmam que o partido - cujos líderes governaram o Brasil por 13 anos (2003-2016) - é a única fonte de corrupção no país. O artigo foi publicado depois que o Supremo Tribunal Federal do Brasil decidiu contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em um processo judicial, uma decisão que logo resultou na prisão do ex-presidente. Embora o artigo fosse satírico por natureza, ele sugeria que o PT estava sendo injustamente perseguido pelo sistema judiciário brasileiro.

O artigo do Sensationalist teve 570.421 interações, a maioria das quais foram "curtidas", comentários e compartilhamentos no Facebook. Embora as sátiras não sejam publicadas com a intenção de enganar o público, elas "têm o potencial de enganar" as pessoas, causando assim confusão.

A maioria das interações com o artigo foi de perfis de esquerda, que provavelmente estavam cientes do tom satírico do artigo e concordavam com o argumento do artigo sobre a parcialidade judicial contra o PT. Entretanto, alguns usuários do Facebook que viram a manchete não entenderam a natureza satírica do artigo, por exemplo, dizendo que o artigo estava errado e que outros partidos também estavam envolvidos no escândalo de corrupção, e um deles até disse que denunciaria o artigo ao Facebook.

A Folha: "FBI diz que Brasil vendeu jogo da Alemanha em esquema de corrupção

A "Folha", que empresta seu nome de uma das principais publicações nacionais, a "Folha de S.Paulo", pode ser descrita como um site altamente partidário. Ele publica principalmente notícias políticas relacionadas a investigações e alegações de corrupção, geralmente contra o ex-presidente Lula da Silva e favoráveis a Sergio Moro, o juiz federal que lidera a investigação da Lava Jato.

Esse artigo afirmava que o Federal Bureau of Investigation (FBI) dos EUA havia descoberto que o Brasil vendeu a semifinal da Copa do Mundo de 2014 para a Alemanha, uma partida que o Brasil perdeu de forma infame por 7 a 1. O artigo misturava antigas fraudes (alegações semelhantes sobre o Brasil ter vendido a final da Copa do Mundo para a França em 1998 ressurgiram novamente em 2014, substituindo o rival pela Alemanha) com notícias sobre a ampla investigação do FBI sobre corrupção na FIFA e no futebol internacional. O FBI, no entanto, nunca apresentou nenhuma alegação ou prova sobre resultados fraudados durante a Copa do Mundo de 2014.

O artigo teve 450.100 interações, principalmente de páginas e grupos pró-Moro e anti-PT no Facebook. Isso ilustra a polarização que surgiu nas redes sociais do Brasil após 2014, quando o comportamento dos grupos anticorrupção no Facebook - em relação às páginas e publicações que eles curtiam - tornou-se quase indistinguível do comportamento on-line de grupos conservadores e de direita. Por outro lado, os grupos de esquerda do Facebook se fundiram com grupos interessados em direitos humanos e movimentos sociais progressistas. Entretanto, algumas páginas de esquerda do Facebook também se envolveram com o artigo sobre corrupção.

Um artigo semelhante foi publicado pelo "Sempre Questione" e também se tornou um dos artigos com mais interações nas mídias sociais. "Sempre Questione", um site que informa sobre uma variedade de tópicos, desde questões internacionais até questões de saúde, gerou 80.000 interações com um artigo publicado em 3 de março, após a publicação de La Folha em 24 de fevereiro. O artigo gerou interações tanto em páginas de esquerda quanto de direita.

O Diário Nacional: "Dodge acusa Aécio de corrupção e obstrução de justiça".

"O Diário Nacional" foi rotulado pela tradicional Revista Época como um site de "notícias falsas" altamente partidário. Foi uma das 196 páginas removidas pelo Facebook em julho passado sob a acusação de fazer parte de uma rede de desinformação liderada pelo Movimento Brasil Livre (MBL), um grupo ativista de direita que desempenhou um papel proeminente nos protestos de impeachment de 2015 e 2016 contra a então presidente Dilma Rousseff no Brasil. Em um comunicado, a empresa de mídia social descreveu as ações do MBL como:

"Uma rede coordenada que se escondeu atrás de contas falsas no Facebook e enganou as pessoas sobre a natureza e a origem de seu conteúdo, tudo para semear a divisão e espalhar a desinformação."

Curiosamente, esse artigo não era impreciso, mas sim uma reprodução de um artigo publicado por um site de notícias local com informações legítimas sobre as acusações feitas contra Aécio Neves, o então candidato às eleições presidenciais de 2014 e membro do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), de centro-direita. O artigo original foi reproduzido pelo MidiaMax, um site local do estado de Mato Grosso do Sul.

O artigo de O Diário Nacional sobre corrupção gerou 146.000 visualizações. Ela foi impulsionada pelas páginas do MBL e de Fernando Holiday, vereador ligado ao movimento, no Facebook. Também gerou interação de páginas regionais do MBL, páginas pró-Jair Bolsonaro - ex-militar atualmente em segundo lugar na corrida presidencial - e páginas, perfis e grupos de apoio ao juiz Sergio Moro.

Aconteceu, virou manchete: "Os juízes publicam um comunicado no qual dizem: 'quem critica o auxílio-moradia dos juízes apóia a corrupção'".

O artigo era uma reprodução de um artigo publicado em outro site, o esquerdista "A Postagem", ou "El Correo". Embora o "Aconteceu, virou manchete" reconheça que o artigo era uma reprodução, ele mudou a manchete. A manchete original do A Postagem era: Associação de juízes publica nota surrealista dizendo que quem é contra o auxílio-moradia dos juízes apóia a corrupção: no estilo "Poder Judiciário: ame-o ou deixe-o".

"Aconteceu, virou manchete", ou "Aconteceu; virou manchete", publicou uma manchete no estilo hard-news: Juízes publicam nota dizendo: 'quem critica o auxílio-moradia dos juízes' apóia a corrupção. Como a declaração está entre aspas, ela sugere que é uma reprodução exata do que a associação declarou.

Entretanto, isso não reproduz com exatidão o conteúdo do artigo, que se refere a uma carta escrita pelo chefe da associação de juízes. Nela, ele afirma:

"Quem está interessado nessa campanha [para prejudicar os juízes] - as pessoas que trabalham contra a corrupção e a favor do estado de direito ou os corruptos?"

Não foi possível verificar se a alteração foi intencional para causar confusão ou se foi simplesmente um caso de falta de devida diligência. O blog "Aconteceu, virou manchete" reproduziu notícias de diferentes fontes, a maioria delas de esquerda. O artigo gerou 90.400 interações, a maioria delas de páginas de esquerda no Facebook.

Mapeamento de interações

Em conjunto, os casos mostram como informações imprecisas foram disseminadas no Brasil nos últimos seis meses.

Os círculos representam contas de mídia social que compartilharam conteúdo não autêntico. Quanto mais escuro o círculo, mais interações ele gerou (Fonte: @DFRLab via Crowdtangle).

No gráfico, cada círculo representa uma conta de mídia social que publicou os artigos incorretos descritos acima. O tamanho de cada círculo representa o número de publicações com as quais cada grupo se envolveu. Um círculo maior significa que a página compartilhou mais conteúdo não autêntico. Por exemplo, os maiores círculos Lula Livre (Pérolas dos Coxinhas) e União das Esquerdas - dois grupos de esquerda - compartilharam quatro dos artigos inautênticos.

A maioria das pessoas que compartilharam os artigos nesses grupos não indicou que eles eram imprecisos em suas mensagens, sugerindo que elas não conseguiam reconhecer a desinformação. Até mesmo o artigo satírico gerou comentários indignados em um dos grupos de pessoas que não perceberam que o artigo era uma paródia.

A cor dos círculos indica quais contas ou páginas do Facebook geraram mais interações. Pode-se ver que o site satírico Sensacionalista gerou o maior número de interações, seguido por "Quebrando tabus", uma página de direitos humanos no Facebook, e MBL, o grupo ativista de direita.

Conclusão

A análise dos 20 principais artigos relacionados à corrupção no Brasil sugere implicações em três aspectos principais.

Primeiro, em termos do tipo de artigos que são criados e compartilhados, é visível que o conteúdo de alguns dos artigos mais virais on-line revela vários casos de informações imprecisas. Alguns artigos foram completamente fabricados, como o artigo sobre a falsa intervenção militar. Também havia links falsos, como o do auxílio-moradia dos juízes, em que o título não correspondia ao conteúdo, e o artigo satírico do Sensationalist, que não tinha intenção de prejudicar, mas causou alguns mal-entendidos entre os leitores. Esses diferentes casos são indicativos de um ambiente político profundamente dividido e polarizado que se tornou um terreno fértil para a disseminação de informações não confiáveis.

Em segundo lugar, em termos de motivação para a criação de conteúdo, a maioria dos sites mencionados publica apenas notícias políticas, o que pode sugerir que seu principal objetivo é influenciar as pessoas politicamente. Entretanto, em alguns casos, práticas jornalísticas ruins também podem ter desempenhado um papel. Duas exceções à tendência predominantemente política são o "Olho Aberto Paraná", que publica notícias e anúncios hiperlocalizados, e o "Sempre Questione", que publica artigos sobre uma ampla gama de tópicos. Isso pode indicar que eles só buscam cliques para aumentar sua audiência, sugerindo uma motivação de lucro por trás da produção de notícias. Por fim, o Sensationalista é um site satírico que claramente pretende fornecer sátira política contundente.

Por fim, em termos de distribuição de conteúdo, a análise aponta para dois tipos diferentes de distribuição. A maioria dos artigos foi distribuída por usuários de mídia social que compartilharam o conteúdo sem qualquer verificação. Entretanto, o artigo do "O Diário Nacional" parece fazer parte de uma rede organizada, com páginas destinadas a disseminar um tipo específico de conteúdo. A polarização profunda também desempenha um papel na distribuição, com dois grupos identificáveis na vanguarda: a ala direita anticorrupção e, às vezes, pró-militar, bem como a ala esquerda pró-Lula.

Esses resultados ilustram a gravidade do desafio das informações imprecisas no Brasil e o risco que isso representa para as próximas eleições. A multiplicidade de fontes de informações imprecisas e a variedade de motivações por trás da produção de conteúdo demonstram que são necessárias várias estratégias para enfrentar esse problema. Além disso, em termos das maneiras pelas quais a desinformação é disseminada, será necessário não apenas aumentar a vigilância sobre grupos organizados que espalham desinformação, mas também aumentar a alfabetização midiática para que cada pessoa possa verificar independentemente - ou pelo menos suspeitar - da veracidade das informações que recebe on-line.

Luiza Bandeira é assistente de pesquisa forense digital no DFRLab.