A natureza da desinformação nas sociedades democráticas

A desinformação, por definição, é uma tentativa deliberada de enganar, criando narrativas falsas com a intenção de influenciar a opinião pública ou obscurecer a verdade. Suas características incluem mentira, manipulação e estimulação de emoções, muitas vezes para ganho financeiro ou político. Ao contrário da informação incorreta, que pode ser espalhada involuntariamente, a desinformação é um esforço calculado e estratégico para disseminar falsidades. Esta distinção é crucial para compreender a ameaça que a desinformação representa para as sociedades civis democráticas, uma vez que não se trata apenas da difusão de informações falsas, mas da sua criação intencional para servir agendas específicas.

Os propagadores de desinformação aproveitam os próprios alicerces das sociedades democráticas – a liberdade de expressão e a pluralidade dos meios de comunicação social – para as minar. Em ambientes democráticos, a divulgação de informação não é apenas um direito, mas também um pilar que sustenta o edifício da liberdade e da autonomia. Contudo, essa liberdade torna-se uma faca de dois gumes quando explorada por agentes de desinformação. O valor inerente da liberdade de expressão, celebrada como uma conquista monumental para a humanidade, é manipulado para espalhar falsidades e minar a confiança. A desinformação representa, portanto, um risco significativo para o delicado equilíbrio entre a democracia e a liberdade de expressar pontos de vista diferentes, uma vez que explora estas liberdades para propagar narrativas prejudiciais e enganosas. Esta exploração das liberdades democráticas sublinha um paradoxo em que os próprios mecanismos concebidos para garantir uma sociedade livre e informada se voltam contra ela, semeando a divisão e corroendo o discurso público.

Nesse contexto, as plataformas de redes sociais amplificam significativamente as narrativas falsas, desempenhando um papel crucial na propagação da desinformação. Estas plataformas, caracterizadas pelo seu vasto alcance e velocidade, tornam-se terreno fértil para a propagação de falsidades. O desafio aqui é multifacetado: as redes sociais funcionam com base em algoritmos concebidos para dar prioridade ao envolvimento em detrimento da precisão do conteúdo, facilitando assim a rápida disseminação da desinformação. Esta subeconomia da desinformação, impulsionada por motivos de ganho financeiro ou lucro político, prospera na manipulação e estimulação de emoções, explorando a própria estrutura das redes sociais para atingir públicos vastos com o mínimo esforço. O papel destas plataformas não é neutro; em vez disso, atuam como aceleradores da propagação da desinformação, complicando os esforços para manter a integridade da informação e combater as notícias falsas.

Em um ambiente saturado de informações, discernir a verdade se torna uma tarefa difícil, árdua, complexa ou desafiadora. A abundância de fontes de informação, aliada ao ritmo acelerado a que os conteúdos circulam, torna cada vez mais difícil para os indivíduos navegarem no panorama das notícias e da informação. Esta saturação leva à confusão e a uma sensação de sobrecarga de informação, onde a verdade é obscurecida por uma infinidade de narrativas conflitantes. A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) destaca os perigos da absorção de informações falsas, enfatizando o impacto da desinformação na percepção pública e nos sistemas de crenças. A complexidade do ecossistema de informação, enriquecido por uma infinidade de meios de comunicação e plataformas digitais, exige que os indivíduos empreguem o pensamento crítico e procurem fontes fiáveis – uma tarefa tornada ainda mais desafiante pelos esforços deliberados daqueles que espalham desinformação para confundir os limites entre fato e ficção.

Desinformação e os seus objetivos

O principal objetivo da desinformação é minar a confiança nas instituições democráticas e nas normas sociais. Consegue-o lançando dúvidas sobre a legitimidade e a eficácia destas instituições, minando assim a confiança do público. As campanhas de desinformação visam frequentemente a credibilidade dos processos democráticos, como as eleições, divulgando falsas alegações sobre a sua integridade. Esta erosão da confiança não é acidental, mas sim um resultado calculado, que visa desestabilizar os próprios alicerces da governação democrática. Quanto menos as pessoas confiam nas suas instituições, mais vulneráveis essas instituições se tornam à manipulação e menos eficazes são na execução do seu mandato democrático.

Além de minar a confiança, a desinformação é estrategicamente utilizada para polarizar as sociedades e enfraquecer os laços comunitários. Ao explorarem as divisões sociais existentes, as campanhas de desinformação amplificam estas divisões, tornando cada vez mais difícil para as comunidades encontrarem pontos comuns. O resultado é uma sociedade fragmentada em linhas ideológicas, onde é impossível alcançar consenso mesmo sobre fatos básicos. Esta polarização serve os interesses daqueles que utilizam a desinformação, facilitando a manipulação da opinião pública e sufocando o diálogo e a cooperação significativos entre os diferentes segmentos da população.

O impacto da desinformação na confiança e na coesão públicas

A perda de confiança nas instituições e processos democráticos é um impacto marcante da disseminação da desinformação na sociedade. De acordo com o cientista político Leonardo Avritzer, a desinformação perturba fundamentalmente a ordem democrática ao manipular emoções, espalhar mentiras e amplificar conteúdos divisivos para ganhos políticos ou financeiros. Essa estratégia coordenada não só capitaliza as divisões sociais existentes, mas também trabalha ativamente para as aprofundar. O resultado é uma profunda erosão da confiança pública nas próprias instituições destinadas a defender os valores e processos democráticos. Quando os cidadãos são bombardeados com informações falsas que retratam essas instituições de forma negativa, a sua fé na integridade do sistema e a sua vontade de participar em processos democráticos diminuem. Esta quebra de confiança torna ainda mais desafiador o funcionamento eficaz das sociedades democráticas, uma vez que a crença fundamental num sistema justo e transparente é comprometida.

A desinformação desempenha um papel fundamental no agravamento da polarização e da divisão social, atuando como catalisador para o aprofundamento das divisões ideológicas nas comunidades. A disseminação direcionada de informações falsas e de teorias da conspiração pode aumentar significativamente as tensões existentes, levando a um ambiente onde o compromisso e o diálogo se tornam cada vez mais difíceis. As estratégias de desinformação são especificamente concebidas para explorar vulnerabilidades e preconceitos emocionais, criando uma divisão entre diferentes grupos sociais. Esta divisão não é acidental, mas sim um resultado deliberado procurado por aqueles que disseminam desinformação. À medida que estas narrativas divisivas ganham força, contribuem para a criação de câmaras de eco onde os indivíduos são expostos apenas a informações que reforçam as suas crenças existentes, consolidando ainda mais a divisão e impedindo a ação coletiva necessária para enfrentar desafios comuns.

Minar a capacidade do público de tomar decisões informadas é, sem dúvida, um dos efeitos mais nocivos da disseminação de informações falsas. Ao inundar o panorama da informação com falsidades e conteúdos manipulados, torna-se cada vez mais difícil para os indivíduos discernirem a verdade da ficção. Esta confusão não afeta apenas a tomada de decisões a nível pessoal, mas também tem implicações de longo alcance para o próprio processo democrático. Quando os eleitores são mal-informados sobre as políticas, ações e intenções de figuras políticas ou partidos, a sua capacidade de fazer escolhas que reflitam os seus verdadeiros interesses e valores fica comprometida. Esta manipulação do discurso público não só mina o próprio princípio do consentimento informado, que é central para o processo democrático, mas também ameaça a legitimidade dos resultados eleitorais e a eficácia da governação. Como resultado, a capacidade de uma democracia para responder às necessidades e aspirações dos seus cidadãos fica significativamente enfraquecida, levando à desilusão e ao desligamento do processo político.

O impacto no comportamento eleitoral

A disseminação deliberada de desinformação tem um profundo impacto no comportamento dos eleitores e nos resultados das eleições, alterando significativamente o cenário dos processos democráticos. A difusão deliberada de informações falsas, muitas vezes através de plataformas de redes sociais, é estrategicamente concebida para manipular a opinião pública e influenciar as decisões do eleitorado. Estudos demonstraram que as notícias falsas podem, de fato, influenciar os resultados eleitorais, desafiando as democracias a conceber estratégias eficazes para combater a desinformação online .

No contexto brasileiro, um estudo da FGV revelou que, em 2014, 11% das discussões durante o processo eleitoral foram originadas por robôs ou perfis falsos. Notavelmente, entre os perfis de apoio ao senador Aécio Neves, 19% das interações foram geradas por robôs, enquanto entre os apoiadores da ex-presidente Dilma Rousseff, essa proporção representou 17% das interações. Esta manipulação não só prejudica a integridade das eleições, mas também representa uma ameaça direta aos alicerces da sociedade civil democrática, ao distorcer a compreensão que o eleitorado tem dos candidatos e de questões fundamentais. O fenômeno não é novo; é uma iteração moderna de antigas táticas políticas de mentira e propagação de boatos, agora amplificadas pela tecnologia digital.

Além disso, a desinformação serve como uma ferramenta poderosa para incitar a agitação social e a divisão nas sociedades. Ao explorar as tensões existentes e estimular emoções, os que estão por detrás das campanhas de desinformação pretendem fraturar a coesão da sociedade civil para obter ganhos financeiros ou políticos. Esta estratégia de divisão não é aleatória, mas é uma abordagem calculada para enfraquecer o poder coletivo do eleitorado, tornando assim mais fácil a manipulação da opinião pública e dos resultados. As consequências são de longo alcance, conduzindo a uma maior polarização, à erosão dos laços sociais e, em última análise, a uma ameaça à estabilidade e segurança das instituições democráticas [2]. Esta promoção deliberada da divisão não só distrai as discussões políticas substantivas, mas também corrói a própria estrutura da sociedade civil democrática, tornando mais difícil enfrentar os desafios coletivos.

Desafios no Combate à Desinformação

A era digital ampliou significativamente os desafios no combate à desinformação devido à sua rápida propagação online. Com o advento das plataformas de redes sociais e da Internet em geral, as informações falsas podem agora viajar mais rapidamente e chegar a mais pessoas do que nunca. Este fenómeno não é apenas uma prova do poder das tecnologias digitais, mas também destaca a facilidade com que a desinformação pode permear as sociedades, causando danos e promovendo a desinformação em grande escala. A revolução digital transformou, de fato, a forma como a informação é disseminada, tornando uma tarefa hercúlea filtrar o conteúdo falso do conteúdo factual. Esta facilidade de propagação é um desafio fundamental na luta contra a desinformação, necessitando de uma abordagem robusta e multifacetada para mitigar o seu impacto.

Abordar a desinformação conduz inevitavelmente a dilemas jurídicos e éticos complexos relativos à regulamentação do discurso e da informação. Por um lado, o imperativo de combater a desinformação colide com o direito fundamental à liberdade de expressão. Este delicado equilíbrio coloca desafios significativos aos decisores políticos e aos organismos reguladores que se esforçam por conter a propagação de informações falsas sem infringir os direitos individuais. A aumentar a complexidade está a necessidade de proteger uma Internet livre e aberta, garantindo ao mesmo tempo que esta não se torne um terreno fértil para a desinformação prejudicial [9]. Estes dilemas sublinham a natureza complexa da regulação dos espaços online, onde a linha entre a salvaguarda dos interesses sociais e a defesa das liberdades individuais se torna cada vez mais tênue.

A adaptação contínua das táticas de desinformação sublinha a necessidade de vigilância constante e de contramedidas inovadoras. As campanhas de desinformação estão a tornar-se mais sofisticadas, aproveitando os mais recentes avanços tecnológicos para aumentar o seu alcance e impacto. Esta evolução perpétua das táticas significa que as estratégias de combate à desinformação também devem evoluir, exigindo uma abordagem proativa e adaptativa. A natureza dinâmica das táticas de desinformação, desde a exploração de algoritmos de redes sociais até à criação de vídeos deepfake, destaca a necessidade crítica de investigação contínua, educação e atualizações políticas para se manter à frente daqueles que pretendem espalhar informações falsas para obter ganhos financeiros ou políticos. Este jogo de gato e rato entre os disseminadores da desinformação e aqueles que a combatem sublinha a necessidade constante de vigilância na proteção das sociedades democráticas contra os efeitos corrosivos da informação falsa.

Dicas e práticas recomendadas

Promover a alfabetização digital e o pensamento crítico - Uma das defesas mais eficazes contra a desinformação é uma população que possa avaliar criticamente a informação que encontra. Incentivar programas educacionais que se concentrem na literacia digital, enfatizando a forma de identificar fontes credíveis, compreender a diferença entre opinião e fatos e reconhecer táticas comuns de desinformação, pode capacitar os indivíduos. Programas em escolas, centros comunitários e cursos online podem ajudar a criar uma cidadania mais informada e menos suscetível à desinformação.

Promover a transparência e a verificação de fatos - Incentivar os meios de comunicação, as plataformas de redes sociais e os criadores de conteúdos a adotarem a transparência nos seus processos de divulgação de informação. Isto inclui uma rotulagem clara dos tipos de conteúdo (por exemplo, opinião, editorial, conteúdo patrocinado) e parcerias com organizações de verificação de fatos para verificar informações controversas ou virais. Ferramentas como rastreadores de transparência de sites e a integração de recursos de verificação de fatos diretamente em plataformas de mídia social podem ajudar os usuários a tomarem decisões informadas sobre a credibilidade das informações que encontram.

Legislar e regular com precisão - Os governos e os organismos reguladores devem trabalhar no sentido de criar legislação que vise a propagação da desinformação sem infringir a liberdade de expressão. Este equilíbrio delicado exige leis que sejam específicas na definição do que constitui desinformação prejudicial e dos contextos em que é mais prejudicial (por exemplo, durante eleições, crises de saúde pública). A implementação de regulamentos que exigem que as plataformas de redes sociais tomem medidas ativas no combate à desinformação, ao mesmo tempo que proporcionam vias de recurso e correção, pode ajudar a mitigar a propagação sem censurar excessivamente o conteúdo.

Incentive o envolvimento e o diálogo da comunidade - A construção de comunidades fortes e informadas que se envolvam num diálogo aberto pode funcionar como um amortecedor contra a desinformação. Iniciativas que promovam discussões comunitárias, seja online ou pessoalmente, sobre eventos atuais, literacia mediática e competências de pensamento crítico podem promover uma cultura de cepticismo em relação a informações não verificadas. O envolvimento com líderes comunitários, influenciadores e educadores para liderar estas discussões pode aumentar ainda mais a sua eficácia, criando redes locais de cidadãos informados que podem apoiar-se mutuamente na identificação e combate à desinformação.

Aproveite a tecnologia para detectar e combater a desinformação - Investir e desenvolver tecnologia capaz de detectar automaticamente padrões indicativos de campanhas de desinformação pode ser um fator decisivo. Algoritmos de inteligência artificial (IA) e aprendizado de máquina que analisam grandes quantidades de dados para identificar notícias falsas, deepfakes e esforços de disseminação conduzidos por bots podem ajudar as plataformas a agirem rapidamente para remover ou rotular conteúdo falso. As colaborações entre empresas tecnológicas, investigadores e governos para partilhar conhecimentos, ferramentas e melhores práticas na deteção de desinformação podem reforçar os esforços coletivos para proteger a sociedade civil democrática.

Referências

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» Por que a desinformação ameaça a democracia e a ciência. (n.d.) May 15, 2024, de bioeticaediplomacia.org
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Desvendando o Impacto da Desinformação no Cenário .... (n.d.) May 15, 2024, de www.jusbrasil.com.br
Mídias Digitais, Eleições e Democracia no Brasil: Uma .... (n.d.) May 15, 2024, de www.scielo.br
Informações falsas abalam a confiança nas instituições .... (n.d.) May 15, 2024, de desinformante.com.br
Dilemas entre a Desinformação e a Democracia na era .... (n.d.) May 15, 2024, de irisbh.com.br
Liberdade de expressão: lei, evolução, importância e limites. (n.d.) May 15, 2024, de fia.com.br/blog/liberdade-de-
O impacto das "fake news" nas eleições - Opinião - InfoMoney
É possível combater a desinformação e os discursos de .... (n.d.) May 15, 2024, de jornal.usp.br
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A Democracia sob pressão: o que está acontecendo no .... (n.d.) May 15, 2024, de cebri.org
Como as fake news ameaçam a democracia, escreve .... (n.d.) May 15, 2024, de www.poder360.com.br
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DESINFORMAÇÃO E CRISE DA DEMOCRACIA NO BRASIL. (n.d.) rMay 15, 2024, de
A perigosa batalha contra a desinformação no Brasil. (n.d.) May 15, 2024, de americasquarterly.org
TSE lança podcast sobre desinformação e impacto das .... (n.d.) May 15, 2024, de www.tre-pe.jus.br
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