O Poder das Campanhas Online de Desinformação

As campanhas de desinformação online são particularmente eficazes devido à rapidez e ao alcance das plataformas digitais. Com bilhões de usuários ativos, redes sociais como Facebook, Twitter, Instagram e WhatsApp se tornaram veículos poderosos para a disseminação de informações falsas. Vejamos algumas razões pelas quais essas campanhas são tão eficazes:

1. Alcance Global e Instantâneo

A internet permite que informações sejam compartilhadas globalmente em questão de segundos. Um post no Facebook ou um tweet pode ser visto por milhões de pessoas em um curto espaço de tempo. Isso torna a disseminação de desinformação extremamente rápida e difícil de conter.

2. Segmentação de Audiências

Plataformas de redes sociais utilizam algoritmos sofisticados para segmentar audiências com base em interesses, comportamento online e demografia. Isso permite que os disseminadores de desinformação alcancem grupos específicos, maximizando o impacto das suas mensagens.

3. Uso de Bots e Perfis Falsos

Bots e perfis falsos são amplamente utilizados para amplificar mensagens de desinformação. Esses perfis automatizados podem gerar e compartilhar conteúdo em grande escala, criando a ilusão de apoio massivo e legitimidade.

4. Conteúdo Emocionalmente Carregado

A desinformação muitas vezes apela para emoções fortes, como medo, raiva ou indignação. Conteúdos que evocam essas emoções são mais propensos a serem compartilhados, aumentando seu alcance e influência.

Em 2018, uma onda de fake news divulgada em redes de mensagens de moradores que atribuía a venezuelanos o arrombamento de um mercado na região central da cidade de Pacaraima, em Roraima, culminou em ação popular de expulsão de cerca de 1.200 venezuelanos que estavam acampados de modo improvisado às margens da BR-174.

O Fenômeno das Câmaras de Eco

Um dos aspectos mais insidiosos das campanhas de desinformação online é a criação de câmaras de eco. Câmaras de eco são ambientes online onde indivíduos são expostos apenas a informações e opiniões que reforçam suas próprias crenças, isolando-os de visões contrárias. Este fenômeno é exacerbado pelos algoritmos das redes sociais, que priorizam conteúdos com os quais os usuários já interagem.

  • Algoritmos Personalizados: As plataformas de redes sociais utilizam algoritmos que analisam o comportamento online dos usuários para oferecer conteúdo personalizado. Isso significa que os usuários veem mais do que gostam e com o que concordam, criando um ciclo de reforço.

  • Confirmação de Viés: Em uma câmara de eco, as pessoas são expostas repetidamente a informações que confirmam suas crenças pré-existentes. Isso fortalece o viés de confirmação, onde os indivíduos aceitam mais facilmente informações que concordam com suas opiniões e descartam as que as contradizem.

  • Isolamento Informacional: Ao limitar a exposição a visões contrárias, as câmaras de eco criam um ambiente onde a desinformação pode prosperar sem contestação. Isso pode levar a polarização e radicalização, dificultando o diálogo e a compreensão mútua.

Estratégias de Desinformação Online

1. Criação de Notícias Falsas

A criação de notícias completamente fabricadas é uma tática comum. Essas notícias podem parecer legítimas à primeira vista, mas contêm informações falsas ou enganosas. Muitas vezes, essas notícias são projetadas para parecer que vêm de fontes confiáveis, aumentando sua credibilidade.

Em novembro de 2023, voltou a circular nas redes sociais e aplicativos de mensagem um texto que afirma que Jean Wyllys dirige um filme chamado Corpus Christi com apoio da Lei Rouanet e que a obra mostra Jesus e seus discípulos como homossexuais.

Não é verdade que Jean Wyllys vai lançar um filme com o nome Corpus Christi e o conteúdo apontado na mensagem falsa. O texto mentiroso circula na internet pelo menos desde 2018 e tem sido desmentido desde então pelo próprio Jean Wyllys em suas redes sociais. Além disso, o filme nunca foi lançado.

2. Manipulação de Imagens e Vídeos

Imagens e vídeos manipulados são usados para enganar o público. Isso pode incluir fotos fora de contexto, vídeos editados ou deepfakes – vídeos criados com inteligência artificial que parecem reais.

Um exemplo se deu no contexto da 27ª Parada do Orgulho LGBT+, realizada em 11/06/2023, alguns usuários nas redes compartilharam imagens mentirosas ou fora de contexto para destilar ódio contra a comunidade. Antes mesmo da data, passou a circular nas redes uma montagem que já estava viralizando em outros países e que mostra um homem com uma camiseta com os dizeres "crianças trans são sexy". Na foto original, que sequer foi registrada em uma parada LGBTQIA+, o homem vestia uma camiseta branca sem estampa.

3. Amplificação de Narrativas Preexistentes

Desinformação frequentemente amplifica preconceitos e estereótipos já existentes na sociedade. Ao reforçar essas narrativas, as campanhas de desinformação conseguem ressoar mais facilmente com certos grupos.

4. Desacreditação de Fontes Confiáveis

Uma tática eficaz é desacreditar jornalistas, acadêmicos e instituições que trabalham pela verdade. Ao semear dúvidas sobre a confiabilidade dessas fontes, as campanhas de desinformação tornam mais difícil para o público discernir o que é verdadeiro.

Nos primeiros sete meses de 2022, foram registradas 66 agressões graves contra jornalistas, que envolvem episódios de violência física, destruição de equipamentos, ameaças e assassinatos. Esse número representou um crescimento de 69,2% em comparação com o mesmo período de 2021, que teve 39 casos. Os dados são do monitoramento de ataques contra jornalistas feito pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).

Manipulação de Dados: Chegando a Conclusões Enviesadas

A manipulação de dados é uma forma sofisticada e insidiosa de desinformação. Ela envolve a apresentação seletiva de dados ou a distorção de estatísticas para apoiar uma narrativa específica. Isso pode incluir:

  • Seleção Seletiva de Dados: Escolher apenas os dados que suportam uma determinada conclusão, ignorando informações que contradizem essa narrativa.

  • Gráficos e Visualizações Enganosas: Usar gráficos mal projetados ou visualizações que distorcem a realidade dos dados apresentados.

  • Contexto Omitido: Apresentar estatísticas sem o contexto necessário para interpretá-las corretamente, levando a conclusões errôneas.

  • Falácias Estatísticas: Aplicar técnicas estatísticas de maneira inadequada ou utilizar falácias lógicas para chegar a conclusões enviesadas.

Impacto nas Políticas Públicas

Desde o reconhecimento de um problema pela coletividade até a elaboração e implementação de uma política pública para endereçá-lo, a desinformação em massa pode ocultar uma situação problemática real e fabricar situações inexistentes, culminando com o desenho de políticas ineficientes. Cabe-se destacar os seguintes impactos das fake news no campo de políticas públicas cujos destinatários são populações minoritárias:

1. Influência na Opinião Pública

Campanhas de desinformação podem moldar a opinião pública de maneira significativa. Quando o público é bombardeado com informações falsas, isso pode levar a uma percepção distorcida de certas políticas e grupos minoritários, influenciando o apoio ou oposição a políticas específicas.

2. Obstrução de Leis e Medidas

Desinformação pode criar um ambiente político hostil, dificultando a implementação de políticas inclusivas. Legisladores podem enfrentar resistência baseada em informações falsas, tornando mais difícil aprovar leis que beneficiem comunidades minoritárias.

3. Deslegitimação de Movimentos Sociais

Movimentos sociais que lutam por direitos e igualdade podem ser enfraquecidos por campanhas de desinformação. Ao espalhar mentiras sobre esses movimentos, os disseminadores de desinformação podem reduzir o apoio público e desacreditar suas causas.

  1. 4. A manipulação de dados pode ter um impacto profundo nas políticas públicas:

  • Tomada de Decisão Errônea: Políticos e formuladores de políticas podem tomar decisões baseadas em dados incorretos, resultando em políticas ineficazes ou prejudiciais.

  • Perda de Confiança: A manipulação de dados pode minar a confiança pública nas instituições e nas fontes de informação, dificultando a implementação de políticas públicas.

  • Polarização e Conflito: Dados manipulados podem exacerbar divisões sociais e políticas, alimentando o conflito e a polarização.

O Papel das Organizações da Sociedade Civil (OSCs) no Combate à Desinformação

As Organizações da Sociedade Civil desempenham um papel crucial no enfrentamento das campanhas de desinformação. Seu trabalho é vital para promover a verdade, educar a população e proteger as comunidades minoritárias. Aqui estão algumas maneiras pelas quais as OSCs podem contribuir:

1. Educação e Alfabetização Midiática

OSCs podem organizar programas de alfabetização midiática para ajudar a população a reconhecer e desmascarar informações falsas. Isso inclui ensinar habilidades de verificação de fatos, análise crítica de conteúdo e entendimento dos algoritmos das redes sociais.

2. Monitoramento e Denúncia de Desinformação

Organizações da Sociedade Civil podem monitorar ativamente as redes sociais e outras plataformas online para identificar e denunciar campanhas de desinformação. Relatórios detalhados sobre essas campanhas podem ser compartilhados com o público e com as autoridades competentes.

3. Advocacia e Políticas Públicas

As OSCs podem fazer advocacia junto a legisladores para a criação de políticas públicas que regulamentem a disseminação de desinformação. Isso pode incluir legislação para responsabilizar aqueles que criam e distribuem conteúdo falso.

4. Promoção do Jornalismo Independente

Apoiar e financiar o jornalismo independente é essencial para garantir que informações precisas e verificadas estejam disponíveis para o público. OSCs podem oferecer recursos e suporte a jornalistas que investigam e expõem campanhas de desinformação.

Conclusão

As campanhas de desinformação online são uma ameaça séria às políticas públicas que visam promover a igualdade e a justiça para comunidades minoritárias. As câmaras de eco amplificam essa ameaça, isolando indivíduos em bolhas informacionais que reforçam preconceitos e distorcem a realidade. As Organizações da Sociedade Civil desempenham um papel essencial no combate a essa desinformação, através da educação, monitoramento, advocacia e apoio ao jornalismo independente. Reconhecer e combater essas campanhas é essencial para proteger os direitos e o bem-estar de todos os cidadãos. Apenas através de esforços coordenados e uma vigilância constante podemos criar uma sociedade mais justa e informada.


Escrito por Vitor Matheus, futuro Gestor de Políticas Públicas pela Universidade de Brasília, Analista de Política Internacional e Gestor de Projetos da TechSoup Brasil.


Foto por FreePik